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CRESCENDO EM DOIS MUNDOS

DIANA MUHR

1 - O que é bilinguismo?

xistem muitas definições para o bilinguismo, e elas variam dependendo do contexto e da perspectiva adotada. No entanto, para simplificar e manter o foco deste livro, vamos nos ater a uma definição prática: o bilinguismo é a capacidade de usar regularmente duas línguas no dia a dia.

Essa definição nos permite explorar as experiências reais e frequentes de crianças e adolescentes bilíngues, além de conectar o conceito às histórias e exemplos práticos que serão apresentados ao longo do texto. Embora as nuances sejam importantes, este livro busca apresentar o bilinguismo de forma acessível e útil para pais e educadores.

Antes de explorar mais profundamente as nuances do bilinguismo e como ele se manifesta na vida das crianças e adolescentes, é importante entender que ele pode ser caracterizado de diferentes formas, dependendo do contexto. As categorias a seguir nos ajudam a compreender melhor como o bilinguismo se relaciona com políticas linguísticas, escolhas pessoais e necessidades circunstanciais. Vamos conhecê-las:

 

  • Bilinguismo oficial: Países como Canadá, Suíça e Bélgica garantem status igualitário a duas ou mais línguas por meio de legislações específicas. Essas línguas têm o mesmo peso em funções governamentais, documentos oficiais, sistemas educacionais e comunicação pública. O ensino varia conforme a região e as línguas predominantes, assegurando inclusão linguística e cultural de forma equitativa.

 

  • Bilinguismo circunstancial: Acontece quando a pessoa precisa aprender outra língua para sobreviver em um novo contexto social, como imigrantes que precisam se adaptar a um país com uma língua dominante. Incluirei nessa classificação os habitantes das regiões de fronteira que o Brasil faz com países de língua espanhola, francesa, holandesa e inglesa.

 

  • Bilinguismo eletivo: Ocorre quando uma pessoa escolhe, de forma deliberada, aprender uma segunda língua, geralmente por motivos específicos como oportunidades profissionais, acadêmicas ou interesse cultural. Diferente do bilinguismo circunstancial, onde o aprendizado de uma segunda língua é uma necessidade imposta por fatores externos, o bilinguismo eletivo reflete uma decisão consciente e planejada. Esse tipo de bilinguismo é comum em contextos em que o indivíduo busca ampliar suas perspectivas globais, como no caso de adultos aprendendo uma língua estrangeira para estudar ou trabalhar em outro país. No contexto do bilinguismo eletivo, as crianças são frequentemente inseridas por meio das decisões de seus pais, que optam por introduzi-las a uma segunda língua com base em valores como a importância de preparar os filhos para um mundo globalizado ou para manter viva uma herança cultural. É interessante notar a ironia no termo "eletivo", já que, para as crianças, essa decisão raramente é realmente uma escolha. Em vez disso, reflete os objetivos e aspirações dos pais. No entanto, ainda veremos como a inserção nesse contexto pode trazer benefícios duradouros, desde o desenvolvimento de habilidades cognitivas até o acesso ampliado a diferentes culturas e oportunidades futuras. A forma como essa introdução é conduzida, com sensibilidade e apoio, faz toda a diferença no quanto a criança abraça e se beneficia do bilinguismo ao longo da vida.

 

Essas definições mostram que o bilinguismo é muito mais do que apenas aprender uma segunda língua. Ele reflete questões de status, identidade e poder.

Quais são os tipos de bilinguismo?

 

Existem inúmeras formas de classificar o bilinguismo, que variam conforme as perspectivas acadêmicas, psicológicas, linguísticas ou sociais. Pesquisadores como François Grosjean, Colin Baker e Ellen Bialystok apresentam diversas dimensões para explorar esse fenômeno, incluindo proficiência linguística, uso, contexto cultural e idade de aquisição, entre outras. Vejam a seguir exemplos de classificações:

1. Proficiência linguística:

    O bilinguismo pode ser classificado com base no nível de competência nas línguas envolvidas. Por exemplo:

  • Bilinguismo equilibrado: Quando o indivíduo possui proficiência semelhante em ambas as línguas.

  • Bilinguismo dominante: Quando uma língua é significativamente mais desenvolvida do que a outra.

2. Uso funcional:

  • Receptivo (passivo): O indivíduo compreende a língua, mas não a produz.

  • Produtivo (ativo): O indivíduo pode falar e escrever nas línguas envolvidas.

3. Idade de aquisição:

  • Simultâneo: Duas línguas aprendidas desde o nascimento.

  • Sequencial: A segunda língua é adquirida após o estabelecimento da primeira.

4. Impacto cultural e identidade:

  • Aditivo: Aprender uma segunda língua sem prejudicar a primeira.

  • Subtrativo: Quando a aquisição da segunda língua enfraquece ou substitui a primeira, como em contextos de assimilação cultural forçada.

Escolha de classificação para este livro

 

Embora as classificações mais amplas e técnicas forneçam uma visão profunda e rica, este livro busca oferecer um guia acessível para pais e educadores. Assim, optaremos por uma abordagem mais simples, focando nas duas principais categorias observadas em crianças:

  1. Bilinguismo simultâneo: Neste caso, a criança é exposta a duas línguas desde o nascimento ou antes dos três anos de idade. O cérebro desenvolve sistemas distintos para cada idioma, permitindo uma transição fluida entre eles. Um exemplo seria uma criança em uma família multicultural, onde cada pai fala uma língua diferente em casa.

  2. Bilinguismo sequencial: Aqui, a segunda língua é introduzida após o estabelecimento da língua materna, geralmente após os três anos de idade. Esse processo pode apresentar desafios, como ansiedade inicial, mas também é uma oportunidade de desenvolver resiliência e habilidades cognitivas adicionais.

 

Para exemplificar, vou contar as histórias dos meus dois filhos.

Minha filha, Luísa, valiosa colaboradora deste livro, cresceu em um ambiente onde só se falava português. De vez em quando, eu lia com ela alguns livrinhos em inglês ou assistíamos a filmes em vídeo-cassete para que ela se acostumasse com os sons e a pronúncia. Sempre acreditei que, por haver tantos fonemas no inglês que não existem no português, familiarizar-se cedo com esses sons faz toda a diferença no futuro. Ajuda, inclusive, a diminuir ou até eliminar aquele sotaque carregado quando a criança começa a falar inglês.

Na época, Luísa frequentava uma escola tradicional que também tinha um currículo em alemão. Então, por conta disso, ela teve contato com o alemão antes mesmo de começar a estudar inglês. Só aos seis anos ela iniciou as aulas em uma escola de inglês voltada para crianças, e, aos dez, começou a estudar na Cultura Inglesa, onde eu mesma estudei. Foi um exemplo claro de bilinguismo sequencial, algo que eu também vivenciei na minha infância. No caso dela, o inglês acabou moldando completamente sua vida. Depois de conquistar o certificado Cambridge Proficiency in English (CPE) e cursar Pedagogia, ela se especializou em educação bilíngue e hoje é professora em uma escola internacional. É impressionante como o bilinguismo definiu toda a sua carreira.

Como vocês vão perceber ao longo deste livro, o bilinguismo é um presente que os pais dão aos filhos, mas é um presente que só costuma ser reconhecido na vida adulta. Não foi fácil para ela, e também não foi fácil para mim. Durante a adolescência, as aulas de inglês eram uma carga extra além de todos os compromissos escolares. E, sinceramente, nem sempre a criança ou adolescente está disposto a encarar isso. É aí que entra nosso papel como pais: explicar que, em alguns momentos, não se trata de uma escolha, mas de uma obrigação. Assim como ir à escola, aprender inglês faz parte de algo maior que eles só vão entender no futuro.

Claro, nem tudo foi tranquilo. Lembro de várias vezes em que estava no trabalho e recebia uma ligação da Cultura Inglesa dizendo que ela tinha faltado à aula. Às segundas-feiras era uma dor de barriga; em outros dias, dizia que estava atolada de lição de casa. Mas, com paciência, compreensão e perseverança, seguimos em frente. Hoje, ao ver onde ela chegou, sei que todo o esforço valeu a pena. E, embora tenha sido difícil, é gratificante saber que ela pode aproveitar os frutos de tudo isso.

 

A criação do meu filho, Kristian, foi uma experiência completamente diferente. O pai dele tinha uma bagagem bilíngue muito sólida, já que estudou em escolas internacionais: uma britânica desde pequeno e uma americana nos últimos três anos. De origem finlandesa, ele era tão fluente em inglês quanto em português e decidiu, desde o nascimento, que falaria com o Kristian exclusivamente em inglês. Entre nós dois, continuávamos falando português, mas decidi entrar nessa e tentar falar apenas inglês com o Kristian também. Bom... não deu certo. De vez em quando, eu acabava voltando para o português por força do hábito. No final, me conformei que eu falaria com ele em português e o pai, em inglês.

O que eu não sabia na época é que essa abordagem tem até nome: o método “One Parent, One Language” (Um pai, uma língua), uma prática bem estabelecida de bilinguismo precoce, que explicarei mais adiante. Assim, Kristian cresceu como um exemplo clássico de bilinguismo simultâneo. Aos 2 anos e meio, já se comunicava perfeitamente com o pai em inglês e comigo em português. Ele começou a frequentar uma pré-escola em inglês e, em seguida, foi para uma escola britânica, onde permaneceu até a formatura do ensino médio, com dupla diplomação: a brasileira, e o IB (International Baccalaureate).

Depois do ensino médio, veio a fase das dúvidas sobre qual caminho seguir. Ele tinha tantas possibilidades que foi difícil decidir. No fim, escolheu estudar na Holanda, onde cursou a universidade (em inglês) e depois continuou para concluir o mestrado. Hoje ele segue morando lá, construindo sua trajetória profissional.

Essa jornada, desde a escola até a sua decisão, não foi fácil, como veremos mais adiante. Viver entre duas culturas tão diferentes trouxe questões emocionais que ele precisou enfrentar e superar. Foram momentos marcantes, que moldaram quem ele é hoje. Justamente por isso, queremos que outros pais estejam mais preparados para lidar com esses desafios do que nós estávamos na época.

 

Como vocês podem ver, a escolha dessa classificação, além de retratar minha experiência pessoal, visa facilitar a compreensão, ao mesmo tempo em que destaca os aspectos mais relevantes do bilinguismo na infância e adolescência. Nos capítulos seguintes, exploraremos como essas categorias se manifestam na prática e como elas moldam a identidade e o desenvolvimento emocional das crianças bilíngues.

© 2025 Diana Muhr

© 2025 Psicanalista Diana Muhr

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